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Não ter rotina é a rotina

  • Foto do escritor: giselle chassot Lago
    giselle chassot Lago
  • 13 de fev. de 2023
  • 3 min de leitura

A vida de quem tem doença crônica é movida a surpresas. Uma coisa eu garanto: de tédio, você não morre! Voce pode acordar superbem, estar enlouquecido de dor no meio da tarde, dormir bem, sonhar que alguma “peça” sua saiu do lugar (porque sai mesmo) e, no dia seguinte, ser tudo ao contrário. Não tem rotina. O inesperado sempre está à espreita, pronto para fazer uma surpresinha. É melhor se acostumar logo com isso.

Vou contar um segredo: eu não me acostumo. Detesto com todas as minhas forças não ter controle sobre meu corpo, não poder fazer planos, desmarcar encontros com amigos porque, simplesmente, meu corpo bugou. E tanto faz se é dor ou uma crise violenta de disautonomia. Isso me atrapalha. Não me inviabiliza, mas emperra muita coisa.

E é aí que a doença crônica passa a não ser só sua, mas de todo mundo que convive com você: da família que te espera para aquele almoço de domingo; dos amigos que vão descobrir na última hora que você não estará naquele encontro especial da sua mãe, que se assusta com a descoberta de cada novo sintoma, do seu filho que assume o papel de cuidador e por aí vai.

Compartilhar dores não é uma tarefa fácil. No mundo corporativo, então, ela te torna quase um pária. Por mais que a gente evite, há momentos em que não há como disfarçar a existência de problemas. Convivendo há décadas com a doença, já fui trabalhar com tala em praticamente todas as articulações. Já usei bengala, já me apoiei em muletas, já desci e subi escadas pulando num pé só. E tudo bem.

Tenho meus truques para lidar com dores e luxações. A gente se adapta. Por exemplo, como meu ombro direito dói e sai do lugar e a perna esquerda tem sequelas de um joelho ruim e um tornozelo com ligamento rompido, meu carro é automático. Olha que sorte: as lesões são dos lados certinhos, já que eu não preciso usar câmbio nem pisar na embreagem.

Para driblar a disautonomia, me tornei aquela pessoa que rouba pacotinhos de sal dos restaurantes: o sal ajuda a compensar as oscilações de pressão. Também carrego sempre uma bebida isotônica. E não é porque eu seja malhadora, mas simplesmente porque preciso repor o que eu perco com a transpiração em momentos de crise. E passei a usar meias de compressão, para driblar a sensação de que eu não controlo minhas pernas. Meu maior sonho de consumo é parar de suar. Nada, nem uma gota. Porque eu sou capaz de suar na Patagônia, se a disautonomia atacar.

Não consigo ficar muito tempo em pé. Onde eu entro, estou logo procurando uma cadeirinha disponível. É péssimo, porque é como se os carimbos “folgada” e “preguiçosa” ficassem pregados na minha testa.

Amo minha profissão. Ela é parte do que eu sou. Embora não esteja trabalhando no momento, isso não tem relação com a doença. Ao menos, não pra mim. Claro que é mais uma gota no oceano de preconceitos que toda mulher enfrenta: quando você é jovem, os empregadores se apavoram com a possibilidade de que as funcionárias engravidem; quando você envelhece, que não produza da mesma forma e, no caso de pacientes crônicos, que não deem conta.

Pois eu digo que ter Ehler-Danlos nunca me impediu de nada. Fiz faculdade usando muletas e com a perna engessada por causa do joelho quase os quatro anos do curso. Enfrentava as escadas no estilo saci-pererê ou no colo de algum colega generoso. E não perdi uma festa.

No trabalho foi bem mais fácil, porque começaram a aparecer as talas com velcro e o robofoot. Uma verdadeira benção. Houve fases em que meus utensílios faziam parte de mim, como o caderninho de anotações, a caneta e o celular.

Claro que já chorei muito no banheiro por causa da dor, claro que é difícil, mas dá pra fazer. Até porque, comparada a outras formas da síndrome, o meu “modelito” é dos menos complicados.

A rotina é não ter rotina. É estar bem, disposta e feliz no sábado e no domingo estar numa crise tão braba que a solução foi passar o dia na cama. Porque também tem a fadiga crônica. Mas essa é uma história para outro post.

 
 
 

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